IDENTIDADE

Atividade Parassocial: Entre swifties e colmeias, quando o fandom vai longe demais?

Até que ponto a relação de um artista com seus fãs se mantém saudável para ambos os lados?

 

Nos últimos meses, os fãs da Taylor Swift têm sofrido uma montanha-russa de emoções – e não só pela dificuldade de conseguir ingressos para a Eras Tour: a vida amorosa da cantora está sob os holofotes desde seu término com Joe Alwyn, passando pelo seu breve envolvimento com o cantor Matty Healy. Enquanto a primeira notícia deixou os fãs arrasados a ponto de deixarem flores num antigo apartamento da cantora, a segunda fez muitos deles se voltarem contra ela. “Taylor do céu, como assim você tá pegando um cara que ri de comentários ofensivos num podcast?!” – os fãs se questionaram. 

 

Independente do que uma celebridade faz ou deixa de fazer, o impacto emocional dessas ações em seus admiradores pode alcançar níveis alarmantes. A essa relação unilateral, em que uma pessoa investe tempo e esforço enquanto a outra sequer sabe da sua existência, dá-se o nome de relação parassocial – conforme explica o artigo do portal Science Survey. 

 

Em diferentes níveis, todos nós já iniciamos interações parassociais – seja comentando “linda” numa foto da Beyoncé no instagram ou mandando uma carta pro programa da Xuxa. O problema acontece quando o fã acredita que tem uma falsa proximidade com sua “ídola” – quando, na verdade, só tem contato com a faceta pública dessa artista, que é cuidadosamente calculada e administrada por um time especializado. Nessa dinâmica, intimidade é a palavra-chave, que é expressa em frases como “Ela nunca faria isso” ou “Eu sei quem ela é de verdade”.

(Crédito: Wikicommons)

 

Relações parassociais sempre existiram, mas foram intensificadas pelas redes sociais – onde o contato com celebridades pode ser feito de forma mais direta, por meio de lives, mensagens e comentários. Mesmo que essas interações sejam calculadas de forma meticulosa. Na época da pandemia, esse tipo de relação se tornou ainda mais comum – uma vez que, no isolamento social, grande parte das nossas relações se deram de forma virtual. Assim, atualizações sobre nossos entes queridos e celebridades nas redes sociais pareciam igualmente distantes – e, na mesma medida, igualmente próximas. 

 

Outro fator a ser considerado é a receptividade do artista com esse tipo de interação. Voltando ao exemplo da Taylor, em um artigo recente publicado pelo Huffpost, fica evidente que existe uma escolha consciente (e estratégica) de incentivar a dinâmica parassocial: ela convida grupos de fãs para ouvir seus álbuns em sua casa, interage com frequência nas redes sociais e até aparece de surpresa em pedidos de noivado de seus “swifties” – apelido adotado por seu fandom. Por outro lado, temos o exemplo da Beyoncé, que nos últimos anos tem sido mais criteriosa em suas aparições públicas e praticamente “some” entre um lançamento e outro, deixando os fãs confabulando entre si sobre seus próximos passos.

 

De fã e de hater todo mundo tem um pouco

 

Lançada em março deste ano, a série Swarm (Prime Vídeo) aborda a relação parassocial levada às últimas consequências: após um evento traumático, a protagonista Dre vive em função de eliminar qualquer pessoa que critique sua ídola, a cantora Ni’Jah – abertamenta inspirada na Beyoncé, incluindo até um momento inspirado no fatídico dia em que uma fã mordeu a Beyoncé durante uma festa.

 

Em um mergulho na complexa psique da personagem, que varia entre os extremos fragilidade e violência, a série evidencia o lado tóxico e obsessivo dos “fandoms” – ou, grupos de fãs que não apenas acompanham a carreira e vida pessoal de uma artista, mas também geram conteúdo sobre ela na internet. O nome da série (que significa “Enxame” em português), inclusive, é uma alusão ao fandom da Beyoncé, a Beyhive – ou, colmeia da Queen Bey, abelha rainha. 

 

(Crédito: Amazon Prime Video)

 

Apesar dos danos que o “efeito manada” promovido por alguns fandoms pode causar, é importante reforçar que existe uma relação de poder: por mais que existam fãs descompensados que acreditam que o ídolo em questão “deve” algo a eles, a grande maioria dos fandoms é composta de jovens engajados que, em geral, só querem exaltar seus artistas preferidos. Há uma hierarquia estabelecida, em que o ídolo está acima do fã – o que pode gerar interações controversas. 

 

Recentemente, por exemplo, a cantora Doja Cat criticou o nome criado pelo seu fandom (“Kittens”, ou gatinhos) e respondeu comentários dos fãs com frases como “não te amo porque eu nem te conheço” ou  “se você se chama de ‘kitten’, quer dizer que você precisa arrumar um emprego e ajudar seus pais em casa”. Depois disso, vários fãs desativaram suas contas apoiando a cantora em redes sociais e ela já perdeu mais de 250 mil seguidores no Instagram. 

 

Existe vida fora do fandom?

 

Como vimos, as relações parassociais tem seus riscos para ambos os lados: os artistas podem se tornar reféns das expectativas do fandom e os fãs podem se decepcionar com o tratamento recebido pelos seus ídolos, mesmo depois de tanto carinho e dedicação. Mas será que é possível manter uma relação parassocial de forma positiva?

 

Em entrevista para o podcast When They Popped, criado por duas fãs do Backstreet Boys, a psicóloga e doutora Sally Theran comenta que existem, sim, benefícios em se cultivar uma relação parassocial, especialmente para adolescentes. Em uma época da vida em que ainda estamos formando nossas identidades, nossos ídolos funcionam como bons exemplos, pessoas que aspiramos ser. Logo, admirar uma cantora que expõe seus sentimentos em suas letras pode auxiliar na sua própria auto expressão, e admirar uma artista com presença de palco e confiança pode te ajudar a alimentar sua própria autoconfiança. 

Um estudo da Universidade de Buffalo comprovou que relações parassociais aumentam a autoestima de pessoas mais tímidas. Além disso, encontrar pessoas tão apaixonadas por determinado artista quanto você também auxilia na socialização – as próprias criadoras do When They Popped comentam que a criação do podcast fez com que se tornassem melhores amigas. Então a resposta é sim: é possível considerar sua artista preferida uma amiga pessoal e torcer por ela de forma saudável – desde que esse sentimento não ultrapasse os limites do bom senso e da sua própria saúde mental.

 

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Victor Marcello

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