Esse trauma aqui? Ganhei da minha avó
Com o sucesso de histórias focadas em famílias, como “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo ” (Everything Everywhere All at Once) e “Red: Crescer é Uma Fera” (Turning Red), o impacto das gerações passadas nas gerações atuais voltou com força às conversas, com um foco específico: trauma transgeracional.
Segundo Rachel Yehuda, diretora do Centro de Pesquisa de Psicoterapia e Psicodelia de Trauma na Escola de Medicina Icahn em Monte Sinai, de Nova York, traumas transgeracionais são os efeitos psicológicos que as pessoas podem herdar desde o útero, quando seus pais, ou os pais dele e por aí em diante, passaram por situações extremas, e todos os efeitos de estresse e ansiedade são sentidos por seus filhos, mesmo que eles não passem pelas mesmas circunstâncias. Pense em famílias que tiveram ancestrais escravizados, sobreviventes do Holocausto, passaram por períodos de Depressão ou guerras. Não que o mundo fique muito mais fácil pras gerações futuras, né? Mas esses descendentes podem adicionar mais um fator estressante ao seu dia-a-dia.
Os TikTokers querem saber
A geração Z tem uma maneira diferente de lidar com temas cabeludos, trazendo leveza em qualquer assunto. Com humor ou apenas o aparente desinteresse típico da geração, retratam a ansiedade de viver momentos históricos. Seja a relação com a morte, como a menina ficou famosa por compartilhar a experiência da avó que escolheu a eutanásia, ou até política e economia, como a garota que explica conceitos complexos com exemplos que parecem fúteis, como se fossem o lookinho do dia. E os traumas estão no mesmo pacote. Discussões sérias viram correntes e memes facilmente.
@christalluster Not all heroes wear capes 😅 #reactionvids #funnycomments #blackpeoplebelike
Mais recentemente, a usuária @christalluster apareceu com uma pergunta para os seus seguidores: qual maldição transgeracional “nada séria” você está quebrando? E trouxe os seus exemplos pessoais: ela joga vasilhas manchadas fora e deixa o pessoal de casa abrir mais de uma caixa de cereal por vez. E os “stitches” – respostas em vídeo da plataforma – trouxeram várias manias de mães e avós super parecidas: deixar os filhos comerem fast food de vez em quando, ou dormir até tarde. Pense que uma versão brasileira seria nunca guardar feijão no pote de sorvete ou jogar fora a lata de biscoitos finos em vez de guardar material de costura.
Pode parecer um assunto menos sério, mas as respostas mostram que nenhum “trauma” que ultrapassa gerações é tão desimportante assim: as “manias” de mãe e avós falam muito claramente sobre escassez e pobreza. Sobre economizar, poupar recursos em casa e manter a mesma disciplina que foi imposta a eles quando mais novos, mesmo que eles não compreendam os motivos. Porém, essa trend também mostra como evitar o ciclo de trauma: quebrando a corrente.
Mãe, senta aqui, vamos conversar
Sabe o famoso “eu vou pra terapia porque meus pais não foram”? Isso é porque nós viemos de gerações que não sabem falar sobre si mesmas ou suas questões. Gerações que se acostumaram a guardar seus problemas para si, escondê-los por meio dos artifícios mais tóxicos, sejam para eles ou seus próximos. E assim, disseminar os traumas, deixando que eles passem adiante sem questionamentos.
Mas tanto os filmes quanto os vídeos nas redes sociais deixam bem clara a mensagem mais importante: o diálogo em família é a maior chave para interromper os traumas. Apesar dos filmes mostrarem o estresse como uma metáfora, só quando ele é entendido e discutido o personagem finalmente acha a solução e interrompe o ciclo de sofrimento. Incentivar as gerações anteriores aos poucos a se abrirem e dividirem suas histórias, e lembrar que sua mãe ou seu pai ou seus avós são só pessoas que também precisam de ajuda, não importa o quanto já viveram, é o tema dessa desconstrução social que estamos testemunhando. E desabafar no TikTok tem sido uma ferramenta importante para essa catarse coletiva.
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