IDENTIDADE

Terapia: faz sentido pra você?

Embarcar em um processo psicoterapêutico é uma forma de autoconhecimento e cuidado com a saúde mental, mas será que é uma estratégia válida para todos?

Você entra em uma sala, se acomoda em uma poltrona e compartilha suas inquietações com um completo desconhecido. A sala pode ser virtual, a poltrona pode ser um sofá, almofada ou divã, e você pode até já ter visto esse desconhecido na rua ou nas redes sociais. O tipo de diálogo, se é que tiver a contrapartida do interlocutor, vai depender da abordagem terapêutica do psicólogo que você escolher. É assim que costuma começar a incursão pela sua mente.

Aprender a reconhecer seus padrões de comportamento, enfrentar traumas, medos e frustrações, lidar melhor com as próprias emoções são só algumas das vantagens das sessões de psicoterapia. Dezenas de estudos comprovam que, entre outras benesses, a prática é efetiva e capaz de reduzir o estresse e a mortalidade, bem como os riscos de afastamento do trabalho e a necessidade de outros serviços de saúde mental e física.

Pesquisas conduzidas pela Associação Americana de Psicologia mostram, inclusive, que a psicoterapia tende a apresentar resultados mais duradouros que tratamentos psicofarmacológicos – não que estes não sejam importantes, veja bem –, porque ensina aos pacientes habilidades relevantes para uma vida emocionalmente equilibrada a longo prazo. Não à toa, quando queremos nos referir a alguém com boa saúde mental, dizemos que está “com a terapia em dia”.

 

Se não eu, quem vai fazer você feliz?

Quem já fez terapia sabe que não é sempre que se sai das sessões alegre, tranquilo, muito menos confiante. Não raras as vezes, os questionamentos e percepções trazidos à tona nos desafiam e nos frustram antes de serem reinterpretados. Apesar da piada (sem graça) do último intertítulo, o propósito do processo terapêutico não é encontrar a felicidade. Não é, nem nunca foi.

“O principal objetivo da terapia psicológica não é transportar o paciente para um impossível estado de felicidade, mas sim ajudá-lo a adquirir firmeza e paciência diante do sofrimento”, escreveu o psiquiatra suíço pioneiro da psicologia analítica, Carl Gustav Jung em seu livro “A Prática da Psicoterapia”.

Nem felicidade, nem cura. Alguns profissionais preferem o uso do termo “cliente”, “analisando”, ou até “consulente”, por acreditarem que quem busca a psicoterapia não está necessariamente adoecido, mas espera que um profissional qualificado possa conduzi-lo pelos próprios dilemas. 

A psicoterapeuta individual, de famílias e casais, especialista em impulso, Louise Madeira, defende que a terapia pode ser uma ferramenta proveitosa junto ao tratamento psiquiátrico ou outras intervenções médicas, mas em essência a prática não propõe a cura de doenças. Para ela, a função da atividade não é a resolução de problemas, mas a organização. “Assim como em outras as áreas da vida, a desorganização nos confunde e desestabiliza. Por isso, gosto da metáfora da organização. A psicoterapia é uma auto-organização da nossa história, ideias, sonhos e relações afetivas.”

Para a psicóloga e psicanalista Mariana Watanabe, o trabalho consiste na estruturação de recursos para que as pessoas lidem melhor com a própria vida. “A terapia é um espaço seguro para elaborar as suas questões de forma livre, no seu tempo, a partir da fala e da conversa. Vamos entendendo que as questões são tecidas de forma complexa e que o tempo de elaboração é variável, de cada um e depende de cada questão”, explica.

 

Fala que eu te escuto

No livro de contos “Le Cercle des Menteurs” (O círculo dos mentirosos, em tradução livre), o roteirista e ator Jean-Claude Carrière narra uma conversa que teve com o neurologista Oliver Sacks. Carrière perguntou ao médico o que era um homem normal. “Ele me respondeu que um homem normal, talvez, seja aquele que é capaz de contar sua própria história. Ele sabe de onde vem (tem uma origem, um passado, uma memória em ordem), ele sabe onde está (sua identidade) e acredita saber aonde vai (ele tem projetos, e a morte no final). Ele está, portanto, situado no movimento de um relato, ele é uma história e pode dizê-la para si mesmo”. Mas para ser “um homem normal” na concepção de Sacks, não podemos ser analfabetos sobre o que se passa no nosso mundo interior.

Mais que colocar a vida em palavras bem-dispostas sintaticamente, a terapia é um exercício de fala, de escuta atenta (tão rara fora dos consultórios) e, sobretudo, de questionamento. Para Louise, de modo geral, não aprendemos a verbalizar nossas emoções, nem a questioná-las, porque fomos treinados a calar, acatar e obedecer.

“Quando perguntamos a uma criança o que ela está sentindo, ela diz. Quando perguntamos a um adulto, ele fala o que está pensando. Mas não é a mesma coisa. Falar do que se sente é difícil, é como se não fosse permitido. Mesmo para pessoas que são muito falantes, elas não falam sobre elas, não querem entrar nas questões difíceis. A terapia aponta para isso, é um espaço de resgate da possibilidade de falar”.

 

Um terapeuta pra chamar de meu

No Brasil, existem 436 mil profissionais registrados no Conselho Federal de Psicologia. Ou seja, de acordo com o tamanho da população brasileira, há um psicólogo para cada 490 habitantes. Mas se somos leigos na elaboração das nossas próprias emoções, como escolher um profissional adequado? Por qual linha seguir?

Seja ela Psicanálise, Psicologia Analítica, Behaviorista, Terapia do Esquema, Terapia Cognitivo-Comportamental, Gestalt ou outra derivação dessas grandes vertentes de atendimento, é essencial que se estabeleça uma relação de confiança entre o paciente e o terapeuta. E para chegar até esse psicólogo, Mariana e Louise concordam que indicações de pessoas próximas podem ser um bom caminho para o “match” terapêutico – que não deixa de ser encontro empático entre duas pessoas.

“Independentemente da linha teórica, o que vai fazer bem é encontrar alguém que esteja disponível para nos ouvir em um ambiente cuidadoso. É importante que a relação se estabeleça de forma menos vertical possível, que você se sinta acolhido, que ache que as perguntas feitas e o jeito que a pessoa trabalha façam sentido para você e o seu momento”, diz Mariana.

Para além do sigilo para preservar a intimidade dos pacientes, Watanabe chama a atenção para a conduta ética e moral dos profissionais. “Um terapeuta não deve se abster de uma situação de violência que um paciente sofre. Temos também que problematizar as questões políticas envolvidas nas questões pessoais. Por exemplo, eu não posso aceitar a missão de tornar alguém mais produtivo, se isso for uma simples adaptação a um mundo adoecido e estiver fazendo mal para quem eu estiver atendendo.”

 

Faz sentido pra você?

A terapia chegou à mesa de bar, ao papo entre os colegas de trabalho e, como bons brasileiros que somos, aos memes. Com a pandemia, a flexibilização dos atendimentos remotos, a piora nos índices de saúde mental e bem-estar em todo o mundo, e uma maior discussão midiática que problematiza os estigmas relacionados ao assunto, a psicoterapia vem se afastando dos rótulos preconceituosos do passado. Mas será que todo mundo precisa ir para o divã?

A resposta é  inexata. Depende da vontade e do contexto. Como qualquer processo de autoconhecimento, é primordial que exista desejo de descobrir os próprios conteúdos internos. “Se pensarmos em terapia como um espaço saudável de expressão, sim, todos deveríamos ter acesso.

Mesmo que seja uma roda de conversa em uma escola, por exemplo. Agora, se não for um espaço saudável, a forma como esse alguém vai ser escutado e acolhido estará comprometida, e isso pode ser adoecedor”, pondera Louise.

Mariana conta que seus pacientes costumam buscá-la em momentos em que nascem dúvidas ou quando existe uma questão a ser, em suas palavras, “mexida” – decisões, rupturas e necessidade de entendimento. Mas que cada vez mais pessoas chegam a ela influenciadas pela ideia de que “tem que” fazer terapia. 

“A terapia pode ser para todos, desde que exista o querer. Vale lembrar que há uma noção moral, como se a terapia fosse apertar os parafusos de todo mundo. Às vezes acontece o contrário, soltamos os parafusos e a pessoa se torna um ‘monstrinho’ para a moral e os bons costumes. Mas isso faz parte do processo individual de saúde dela”. E acrescenta: “A moral e os bons costumes não devem guiar as intervenções. Ninguém está na terapia para se tornar uma pessoa boazinha ou melhor.

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Se interessa por saúde mental e quer saber mais sobre terapia? Confira a entrevista completa com a psicóloga Louise Madeira:

https://www.youtube.com/live/B7O-Y5llJ2M?feature=share

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Published by
Victor Marcello

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