CULTURA

Não está na hora da sua série favorita ser brasileira?

Enquanto roteiristas e atores americanos estão em greve, que tal olhar com mais carinho para produções nacionais?

 

No começo de agosto, a greve do sindicato de roteiristas americanos (Writer’s Guild of America) ultrapassou a marca dos 100 dias. Semanas antes, em 14 de julho, o sindicato dos atores (SAG-AFTRA) também se uniu à paralisação. Entre as reivindicações de ambos os grupos estão a luta por condições de trabalho dignas a longo prazo e a regulamentação do uso de inteligência artificial em obras audiovisuais. Conforme as negociações ocorrem, fãs de cultura pop têm levantado uma questão: “Mas e a minha série?!”.

 

É natural que, com a paralisação de produções e o adiamento de alguns lançamentos, o público geral se sinta frustrado. Porém, é importante lembrar que os filmes e séries que assistimos nas horas vagas são resultado do trabalho de profissionais que, apesar de seguirem carreiras artísticas, em sua maioria vivem com um orçamento apertado. Enquanto torcermos para que um acordo justo entre os sindicatos e os estúdios seja alcançado, temos a oportunidade de dar mais atenção às produções fora do núcleo hollywoodiano! Em especial, nossas séries, filmes e novelas nacionais.  

 

(Por David James Henry – Own work, CC BY-SA 4.0)

 

É uma pena que, por mais que obras brasileiras sejam frequentemente premiadas em circuitos internacionais e performem bem no streaming, ainda exista um preconceito de parte do público em relação ao que é produzido aqui. Segundo o portal Filme B, apenas 4,5% do público total das salas de cinema do país assistiu a filmes nacionais em 2022. 

 

Lá em 1950, Nelson Rodrigues cunhou o termo “complexo de vira-lata” em uma crônica sobre a derrota do Brasil na Copa do Mundo. Nela, ele fala sobre “a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo, o brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem”

 

Outro fator importante foi o imperialismo americano, que tornou os Estados Unidos uma espécie de bússola cultural para nossa sociedade, em especial a juventude. Um exemplo inusitado dessa dominação cultural são os cantores brasileiros conhecidos como “falsos gringos”. Por volta dos anos 1970, para competir em pé de igualdade com bandas e artistas estrangeiros da época, esses artistas cantavam em inglês e usavam pseudônimos americanizados – entre eles, Fábio Jr., que usava o nome de Mark Davis no começo da carreira.

 

É do Brasil!

 

Felizmente, esse tipo de estratégia não é mais necessária para que um produto nacional se torne popular – pelo contrário: séries que abordam nossa cultura e sociedade – e ganham a devida atenção e investimento em campanhas de marketing – tendem a se destacar até em relação a títulos internacionais. 

 

A animação Irmão do Jorel, produção original do Cartoon Network no Brasil (disponível na HBO Max e na Amazon Prime), ganhou uma popularidade enorme com o público de todas as idades devido à sua qualidade, mas também à quantidade de referências culturais brasileiríssimas. Não ironicamente, a série aborda sem medo essa influência do imperialismo cultural americano do ponto de vista latino, digerindo essas referências e gerando um produto final genuinamente brasileiro. Daí o personagem Steve Magal – uma mistura de vários ídolos dos anos 90, como Arnold Schwarzenegger e Steven Seagal.

 

E apesar de sucessos como a série juvenil De Volta Aos 15 e Cidade Invisível, que foram parar nos conteúdos mais assistidos na Netflix e já têm duas temporadas disponíveis cada, outras produções de qualidade comparável se mantêm desconhecidas do público geral, mostrando que o que falta mesmo é investimento em divulgação e o mínimo esforço da parte dessas plataformas.

 

A série Novela, lançada recentemente no Prime Vídeo e produzida pelo Porta dos Fundos, aborda o universo das novelas brasileiras de forma cômica e fantasiosa – nela, uma roteirista se vê presa dentro da novela que escreveu. Já a série Encantados, da Globoplay, retrata a rotina de dois irmãos que administram o supermercado da família – que, de noite, vira palco dos ensaios de uma escola de samba, a Joia do Encantado. Ambas séries com elenco renomado e alto valor de produção, mas que você provavelmente não ouviu falar em lugar nenhum.

 

(Por Jorge Simonet – Obra do próprio, CC BY-SA 4.0)

 

Um dos maiores obstáculos de qualquer produção nacional que consegue ver a luz do dia é a divulgação. A questão orçamentária para sair do papel já é um enorme desafio do audiovisual brasileiro – e, quando um projeto conquista o grande feito de ser produzido, “o inimigo agora é outro”: fazer com que ele alcance seu público. Para isso, campanhas publicitárias e estratégias de lançamento eficientes são essenciais, mas isso nem sempre acontece.

 

A Lei do Audiovisual (8.685) protege e incentiva a produção audiovisual independente no Brasil reservando através de cotas parte do investimento de grandes estúdios, streamings, distribuidoras e empresas de mídia em geral. Mas essa lei não garante a divulgação dos produtos finais.

 

Conceito, coesão e aclamação

 

Apesar do cenário desanimador, a qualidade da produção nacional não deixa a desejar: no começo desse ano, a série Manhãs de Setembro, do Prime Vídeo, foi indicada ao GLAAD Awards, que premia obras com representatividade LGBTQIA+. A série, protagonizada pela cantora Liniker, concorreu na categoria de Melhor Série de Drama e conta a história de uma cantora trans que se reconecta com um filho que ela teve no passado. Outro exemplo muito elogiado pela crítica  é a série Os Outros da Globoplay, lançada em maio. Nela, um conflito entre duas famílias que vivem no mesmo condomínio escala de forma visceral e inesperada.

 

Em uma busca rápida pela internet, é fácil ver pessoas elogiando essas duas séries com frases como “é o mesmo nível de Hollywood”, ou “não deixa nada a desejar em comparação com séries internacionais”. Mas a verdade é que a nossa produção nacional, apesar da injusta comparação orçamentária, tem muito a acrescentar ao audiovisual global. Nossas novelas que ganharam o mundo e foram reproduzidas em diversos países estão aí para provar.

 

Para que séries e filmes nacionais consigam competir de igual para igual com os hollywoodianos um dia, é preciso que haja muito investimento e valorização do mercado nacional. As cotas fazem parte disso, mas a nossa maneira de enxergar a questão também. O que podemos fazer, por ora, é um esforço consciente para, de vez em quando, sair do óbvio e dar uma chance para uma série ou filme brasileiro. As dicas ao longo desse texto são uma boa forma de começar!

 

 

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Victor Marcello

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