CULTURA

WaterTok: Por que beber água virou polêmica no Tiktok?

Encha seu copo gigante de água, misture saborizadores e xaropes e mexa bem. Pronto, uma receita de polêmica na rede social dos nichos

 

Por Tatiana Criscione

 

O algoritmo do TikTok é famoso por tentar entender o gosto pessoal do usuário, entregando cada vez mais conteúdos personalizados. Isso acabou criando “nichos” ou “lados” do aplicativo, aos quais os usuários dão nomes para facilitar a busca de palavras-chave (e a entrega do seu vídeo para mais pessoas). Temos o BookTok, para os leitores ávidos recomendarem livros, DisneyTok para os fãs da empresa do Mickey, ex-funcionários de parques, além do QueerTok, voltado para o público LGBTQIAP+ dividir suas experiências. Todos os gostos se encontram em uma hashtag ou outra. Mas a polêmica mais recente surgiu no WaterTok, um nicho do Tiktok para quem… bebe água!

 

 

Ok, não é tão simples assim. A comunidade do WaterTok, que surgiu de uma categoria de bem-estar e dietas, procura incentivar usuários a se manterem hidratados com a recomendação de pelo menos 2 litros de água ao dia. Mas como a maior parte das modinhas de internet, o consumismo e a busca por cliques trouxe diversas camadas para o conteúdo. Não basta mais beber água, é preciso adicionar mais estilo e estética ao hábito. Com uma mistura de xaropes e sucos em pó sem açúcar, as tiktokers enchem seus copos de marca com até 1,3 litros de muito gelo e “águas” super coloridas. 

 

Água do Dia

 

Este nicho é composto em sua maioria por mulheres jovens, muitas do Sul dos Estados Unidos, que dividem receitas da sua Água do Dia (Water of the day). Essas misturas variam de toques de frutas cítricas até caramelo e sabor de “bolo de aniversário”. A moda fez muita gente revirar os olhos, mas a gota d’água – com o perdão do trocadilho – foi o compartilhamento do vídeo de uma menina gorda fazendo sua água do dia.

 

 

Ignorando completamente o fato de que a tiktoker menciona usar xarope sem açúcar, os compartilhamentos revoltados atribuíam à bebida o fato da garota não ser magra. “É por isso que americano é tudo obeso”, “eles preferem beber açúcar puro do que água”, “é só você olhar o tamanho delas que vai ver o resultado”, dizem os comentários. Também é interessante notar que a thread que viralizou no Twitter aqui no Brasil só tem vídeos de mulheres gordas. Um detalhe que fica mais curioso quando você busca #WaterTok no tiktok e se depara com uma grande maioria de mulheres magras. 

 

O desprezo destinado a modas que são predominantemente femininas se uniu à gordofobia, criando uma amargura generalizada. Mas, além disso tudo, há muita desinformação sobre esse nicho específico, contribuindo ainda mais para o ódio. Então precisamos voltar à pergunta básica: por que elas  bebem água com tantos aditivos?

 

O que faz bem para você pode não fazer para mim

 

Aqui no Brasil, você com certeza você já viu garrafas enormes e com marcadores das quantidades diárias, incentivando o consumo do mínimo de água para um dia. Essa tendência cresceu junto com o interesse por saúde e bem-estar, mas a verdade é que muitos de nós não chegamos nem perto de alcançar os dois ou três litros recomendados. E um dos grupos com mais dificuldade nessa busca são os pacientes de cirurgia bariátrica, que têm estômagos reduzidos. Tonya Spanglo, que é creditada como uma das criadoras da moda do WaterTok, menciona em muitos de seus vídeos que cria os sabores de água porque seu estômago não tolera mais a bebida insípida após a bariátrica.

 

Segundo um estudo de 2019, publicado na Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, a desidratação é a principal causa de readmissão hospitalar após a cirurgia bariátrica. Principalmente porque, por motivos ainda incertos, água pura e em temperatura ambiente pode “pesar” e até doer ao ser consumida por pacientes bariátricos. Médicos recomendam, nesses casos, que a água seja acompanhada de suco ou frutas, desde que não contenha cafeína, açúcar, álcool, ou seja gaseificada.

 

“Eu não suporto água simples. É meio complicado o que conta como hidratação e o que não conta. Se tiver cafeína, como chá ou café, não conta. Então, só para ter certeza, pergunte ao seu cirurgião”, diz Tonya em um de seus vídeos. Outra criadora do Tiktok, Erienne Higgins, também dividiu sua razão para fazer parte do WaterTok: “Na verdade, dói quando eu bebo água pura. Antes da cirurgia, eu nem gostava de tomar água com sabor, achava muito doce. Agora, com 16 meses de operada, eu ainda não consigo tomar água pura. Parece um tijolo no meu estômago e realmente me machuca”, dividiu em seu vídeo, respondendo um comentário maldoso.

 

Mas é claro que não são as explicações e justificativas coerentes sobre o motivo das bebidas saborizadas – e até mesmo o quanto elas são recomendadas pelos médicos – que viralizam, mas sim os sabores malucos e as gigantes coleções de copos térmicos, os gelos coloridos e os pacotinhos de aditivos. São eles que atraem a crítica e geram vídeos satirizando o WaterTok: um tiktok mostra um jovem colocando uma quantidade absurda de açúcar na sua bebida, outro mostra ingredientes de bolo como ovos, bicarbonato e açúcar para compor o sabor de bolo de aniversário.

 

Metendo a colher na dieta dos outros

 

Pessoas gordas estão, infelizmente, acostumadas a terem seu peso e alimentação monitorados tanto por conhecidos quanto por estranhos. Aubrey Gordon, escritora, podcaster e ativista anti-gordofobia, comenta em seu livro “What We Don’t Talk About When We Talk About Fat” (“O Que Não Falamos Quando Falamos Sobre Gordos”, ainda não disponível em português) sobre uma ocasião em que uma mulher que ela não conhecia retirou um melão de seu carrinho de compras em um mercado. “Tem muito açúcar pra você, e é a última coisa que você vai querer”, disse a desconhecida, sorrindo e carregando o melão de volta para a prateleira, deixando uma Aubrey chocada e sem rumo para trás. 

 

A “preocupação com a saúde” é algo muito usado como pretexto para se meter nas dietas e hábitos de pessoas gordas, comumente por aqueles que não fazem ideia se essas pessoas estão com seus exames em dia ou não. Apenas pelo julgamento de seu tamanho. E, ironicamente, essas pessoas que acabaram de se dedicar a perder peso, em um longo, difícil e muitas vezes caro processo, como uma cirurgia bariátrica, não estão livres da crítica alheia também. 

 

Afinal, é ou não é saudável?

 

Existe, sim, uma cultura bastante tóxica apoiada sutilmente no WaterTok, por sempre usar hashtags como #weightloss (perda de peso) e pela marca mais popular dos xaropes sem açúcar se chamar Skinny Mixes (“misturas magrelas”, em tradução livre). A cultura da dieta, a imposição social de perder peso e a constante cobrança para perder peso é bastante problemática. Existe inclusive o hábito velado  de substituir refeições por copos gigantes de água, sem nenhum valor nutricional além da hidratação. Então é importante ficar de olho nessa pressão e entender o momento de se afastar, especialmente para pessoas com distúrbios alimentares.

 

Outro ponto importante a ser abordado é o consumismo exacerbado que esses nichos incentivam. Para participar das trends, não basta adicionar sabor à sua água, é preciso comprar os copos mais caros, de marcas específicas, e ter em casa dezenas de sabores diferentes de xaropes estocados. Além de turbinar seu consumo com adereços como canudos coloridos, gelos de formatos diferentes e uma variedade infinita de utensílios de cozinha que colabora com a “estética” do WaterTok.

 

Apesar de muitos médicos considerarem que o efeito geral ainda seja mais positivo do que negativo, porque ao menos garante a hidratação para pessoas com rejeição à água pura, não é apenas essas pessoas que a moda vai atingir. Muitos dos aditivos do WaterTok possuem aspartame, estévia ou maltodextrina para manter seu sabor doce, que se consumidos em excesso podem ser prejudiciais. É sempre preferível beber água pura, se possível, ou substituir por sucos de frutas frescas sem açúcar ou adoçante, água de coco ou apenas adicionar gotinhas de limão ou ervas aromáticas à sua água. Ninguém é obrigado a consumir xaropes e saborizadores, é claro, mas também é mais simpático não partir para julgamentos e ódio gratuito sem entender o contexto.

 

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Victor Marcello

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