Trabalhadores autônomos das mais diferentes áreas se tornam influenciadores para dar um gás na carreira. Ou salvá-la. Mas toda essa pressão tem um custo que pode ser alto demais para a saúde mental.
A máxima “quem não é visto não é lembrado” nunca fez tanto sentido. Não apenas para marcas, mas também para profissionais de diversas áreas. Diferentemente das empresas, que contam com equipes internas e agências especializadas para cuidar de sua presença digital, profissionais autônomos precisam produzir eles mesmos conteúdo sobre suas áreas de atuação, especialmente para o Instagram e o TikTok. Por vezes, diariamente. E por tempo indeterminado.
É quase uma segunda carreira para garantir a primeira. Arquitetos, psicólogos, professores de inglês, médicos, nutricionistas, personal trainers, artistas e escritores, entre tantos outros, precisam investir parte de seu tempo e energia na produção de imagens, textos e vídeos para alimentar seus perfis nas redes, a fim de obter clientes ou se manter relevantes em seus mercados. Atualmente, recrutadores de todas as áreas investigam as redes sociais de profissionais antes de contratá-los. Algumas editoras só publicam livros de autores com ao menos 20 mil seguidores.
A pressão é tão grande que até a cantora Anitta, com uma carreira internacional de sucesso, já reclamou em uma live que sua gravadora só se dispõe a produzir videoclipes de músicas que já viralizaram no TikTok. A britânica FKA Twigs e a norte-americana Halsey, dois fenômenos que já entraram na lista da Billboard, também publicaram desabafos semelhantes.
Estariam os profissionais de hoje reféns dos algoritmos?
Clotilde Perez, professora do curso de publicidade da Escola de Comunicação e Artes da USP, prefere desmistificar esse conceito. “Não são os algoritmos, são as pessoas”, diz. Ela argumenta que os algoritmos são apenas dados articulados. Antes era o rádio, como seu alcance popular; hoje é o TikTok, com sua rapidez alucinante.
Atuar nas redes requer estudo e atualização. As regras mudam frequentemente – o que funciona hoje pode se tornar inócuo amanhã. Por isso, o Instagram abriga um bocado de perfis profissionais abandonados, tentativas que se revelaram infrutíferas de se obter seguidores e clientes. Um desses perfis ‘mortos’ na rede é o @jonnanhopsicologo, do terapeuta Jonnanh Nascimento, criado em 2021 e que conta com apenas 13 publicações e 128 seguidores.
“Antes da pandemia, eu atendia muitos pacientes idosos presencialmente. Eles acabaram abandonando o tratamento.” O perfil no Instagram foi uma tentativa do psicólogo de se reinventar. Como também atendia um grupo de homens gays, Jonnanh decidiu focar sua presença digital nesse nicho, com posts sobre autoaceitação e ansiedade sexual. Foi um processo doloroso, cheio de hesitações e autossabotagens. Mesmo com formação, experiência e vivência pessoal no assunto, ele se sentia um impostor. Quando trocou de celular e perdeu acesso à conta por uma dificuldade técnica, Jonnanh ficou aliviado.
Em março deste ano, ele resolveu tentar de novo. Criou o perfil Meu Psi É Gay (@meupsiegay) e viralizou já em seu segundo post, sobre o que chama de Síndrome do Bom Menino, a obstinação de homens gays de se tornarem bons filhos, bons alunos e bons profissionais como forma de “compensar” sua sexualidade. Em poucas horas, o perfil saltou de 50 seguidores para 5 mil. Hoje, são quase 25 mil. Aproveitando o sucesso repentino, Jonnanh lançou o próprio podcast, o Pode Gay, em parceria com o também psicólogo e influencer Lucas De Vito. O programa já figura entre os mais ouvidos em sua categoria e Jonnanh agora tem fila de espera em sua agenda de atendimentos.
A professora de inglês Paula Gabriela (@teacherpaulagabriela) também mudou de vida depois de se tornar influencer, logo no começo da pandemia. “Nunca imaginei que iria passar nem dos 10 mil seguidores”, diz, com surpreendentes 515 mil. Ela publica vídeos com breves lições de inglês e esquetes, muitas em parceria com outros influencers. O sucesso garantiu escala a seus rendimentos. “Venho de uma família humilde e sempre ralei para pagar as contas. Nunca pensei, por exemplo, que teria minha própria casa, ajudaria minha mãe ou viajaria para fora do Brasil.”
O preço da exposição
Como tem uma personalidade engraçada e sempre gostou de fazer imitações, Paula se sente confortável em suas brincadeiras como atriz, mesmo que não tenha uma educação formal na área. O problema são os haters, que vieram com a fama. “Nunca duvidei da minha capacidade de atuar nas redes, mas duvidei da minha habilidade de lidar com ataques e comentários de ódio”, diz. E isso acontece mesmo com ela, uma professora de inglês, que não produz conteúdos “polêmicos”.
“Nunca duvidei da minha capacidade de atuar nas redes, mas duvidei da minha habilidade de lidar com ataques e comentários de ódio”
Mas e quanto aos introvertidos? Na era dos profissionais influencers, parece que o sistema trabalha para eliminar quem não gosta de aparecer. Para esse grupo, a professora Clotilde recomenda restringir o foco ao conteúdo em vez de destacar a própria figura. É que faz a podcaster brasileira Laurinha Lero, do Respondendo em Voz Alta, que mantém uma legião de fãs no Twitter e no Spotify sem revelar sua real identidade. Antes das redes sociais, o artista de rua Bansky e a escritora italiana Elena Ferrante se tornaram mundialmente famosos sem que o grande público conhecesse seus semblantes. São ótimos exemplos – e grandes exceções.
Cada profissional pode calibrar como e o quanto se expõe, mas fica cada vez mais difícil manter a discrição absoluta. “Estar fora das mídias é quase como ficar fora da vida”, adverte Clotilde. Além disso, a pressão e a inabilidade de prever o impacto das suas palavras podem causar problemas difíceis de calcular.
E a saúde mental?
Recentemente, uma médica foi duramente criticada no Twitter depois de falar mal de pacientes na rede. A história tomou proporções gigantescas, aparecendo em reportagens de telejornais e rendendo até uma investigação do Conselho Regional de Medicina. Ou seja, se a exposição não é feita com ética e cuidado, em vez de promover a carreira, a repercussão massiva pode arruinar reputações.
Com o risco, o desgaste e os custos financeiros e emocionais, a pressão para se promover na internet acabou virando uma fonte de sofrimento. Além de ser para muitos a única maneira de viabilizar seu negócio, a presença online passou a ser diferencial até em profissões que antes não tinham nada a ver com popularidade.
A jornada dupla de tocar a carreira e manter as redes atualizadas pode ser um atalho para males como a ansiedade, a depressão e o burnout. Uma persona online pode tanto proporcionar oportunidades como destruí-las. Apesar do que sugerem alguns coaches no Instagram, não há fórmulas universais. É um jogo de habilidade, mas também de sorte – e reflexão. Porque uma coisa é reconhecer a realidade, com as demandas que impõe, e outra é aderir a essas demandas sem nenhuma crítica. A sua presença online não pode prejudicar a sua saúde mental. Se isso está acontecendo, talvez seja hora de recalcular a rota.